18 de fevereiro de 2014

Carta Aberta a João Miguel Tavares: Da despenalização do aborto.

Hoje, quando passei os olhos pela atualidade, na minha habitual revista de imprensa, dei de caras com este artigo do João Miguel Tavares, que me deixou a modos que, indisposta.
Diz o ilustre Senhor, que apesar de ser contra o aborto - e até entende (mal) que a mulher tem direito a dispor do seu corpo - este só  deveria ser praticado desde que não o fosse em hospitais públicos, com o dinheiro de todos, incluindo daqueles que entendem que o aborto é a morte de um ser humano.
Na visão deste ilustre Senhor, as mulheres que decidem abortar, independentemente dos motivos para tal, mesmo que apoiadas na lei vigente, aprovada por referendo popular, gastam com esta pratica o dinheiro de todos, incluindo o dinheiro daqueles que são contra o aborto, ou seja, o dinheiro dele. 
Mas então, vamos lá ver: por essa ordem de ideias, as pessoas que não sofrem de cancro também não deveriam ser chamadas, através dos seus imposto, a pagar tratamentos para pessoas que sofrem dessa doença. Terão estas pessoas alguma culpa de as vítimas de cancro do pulmão fazerem disparates como por exemplo, fumar? Eu por exemplo, sou totalmente contra o cancro. Odeio o cancro. Por mim desaparecia imediatamente da face da terra. É ultrajante. É contra-natura, mata pessoas, e mata muitas.  
Sendo contra, não quero gastar dinheiro dos meus impostos com essas pessoas que precisam de gastar dinheiro com o cancro.
Será que o Senhor J.M. Tavares percebe o alcance das minhas palavras?
Posso ir um pouco mais além, se quiserem. 
O Senhor J.M. Tavares não engravida, já que a natureza foi magna nesse ponto, logo, e bem vistas as coisas (sob a sua perspetiva)  a que propósito há de pagar os partos que se fazem nos hospitais públicos, se deles não tem qualquer responsabilidade? E os partos dos cidadãos estrangeiros? 
Ainda mais absurdo se torna, quando assume que só se faria justiça social se ao invés de ser o Estado a pagar as despesas decorrentes da IVG, fosse antes chamada a Sociedade Civil pró-aborto a pagar (em clínicas privadas) esta IVG. Está então dizer que todos os que votam a favor de certa política social ou de certo partido político devem pagar as despesas daí decorrentes.
Dou um exemplo simples: a co-adoção por casais homossexuais. Deveriam também ser eles (os que votaram SIM) a pagar todas as despesas resultantes do processo de adoção, e ainda as que decorrem da educação da própria criança adotada? Então e os que são contra? Demitiam-se assim "democraticamente" da sua responsabilidade? Mas e o voto não é secreto? Como é que o Senhor J.M. Tavares pensa fazer isso, de se saber quem votou contra ou a favor? Talvez seja (mais) um iluminado.
O texto que verteu, que soma e segue num chorrilho esdrúxulas "opiniões pessoais", conclui que o Estado, depois de despenalizar o aborto, deveria ter-se afastado desta matéria. Na opinião deste Senhor o Estado despenalizava o abordo e depois, como Pilatos, lavava daí as suas mãos.
Obviamente que não conhece a realidade, pois que vive dentro de uma redoma opaca e cínica, e talvez não saiba que desde que o Estado (esse malandro) tomou as rédeas da situação, que os custos com a IVG desceram drásticamente para os contribuintes. Não falando evidentemente das vantagens para as mulheres, pois que nada sabe sobre o tema, e nem sequer é mulher para se preocupar com isso.
Pergunto-me se já falou com algum médico sobre o tema, desses que gerem os hospitais? Pergunto-me ainda se saberá que os custos sociais e pessoais de uma mulher que faz um aborto sem condições médicas regulares e assistidas, muitas vezes perdendo a sua capacidade reprodutora ou a vida, são muito mais elevados para os contribuintes do que a que IVG pontual no hospital? 
Então e os milhares de crianças indesejadas que são abandonadas e até mortas, ou se tornam adultas em orfanatos decadentes e degradantes? E as que nascem sob o síndroma de privação, filhas de heroinómanos e outros toxicodependentes e/ou portadores de HV1/Sida? 
O Senhor J.M. Tavares, na minha opinião, ao invés de se virar contra a IVG paga pelos contribuintes, deveria antes lutar (com a mesma convicção) pela isenção de taxas moderadoras para o parto.
Caríssimo João Miguel Tavares, eu acho que o ilustre Senhor perdeu uma espetacular oportunidade para estar calado, mas antes diga-me caro Senhor, como é que sabe com tanta certeza que a mulher que interrompe a gravidez no hospital tem os mesmos privilégios da que deu à luz no hospital? Sabe o que são privilégios, ou acha que privilégios são apenas o que se relacionam com o capital?
Senhor João Miguel Tavares, pai de 4 filhos (começados e não acabados) tenha paciência e informe-se corretamente: o aborto só é gratuito em Portugal para as mulheres menores de 18 anos. Todas as outras pagam as taxas moderadoras em vigor.

1 comentário:

  1. Oh uva, comparar uma gravidez a uma doença :-(
    Os abortos clandestinos não acabaram. Continuam. Para gravidezes com mais de 10 semanas.
    Beijinho.

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