22 de outubro de 2015

Molduras

Sempre associei a minha vida a uma moldura.
Digo isto porque quando penso no meu nascimento, carinha muito redonda que se assomou ao mundo branco do hospital, penso que fui logo colocada num passepartout muito bonito, envolta numa moldura branca, e a minha mãe, muito estafada da operação, segurou-me e levantou-me, como fazemos quando seguramos num bonito quadro, pequenino, e exclamou: olha que bonita!
A moldura escolhida pela minha mãe ainda hoje se mantém.
Estou protegida por aquele engradado de amor e perplexidade, por um  passepartout muito alvo na moldura larga e resistente, e vejo-me pendurada por um preguinho minúsculo que me colocaram nas costas, às vezes um pouco torta, perdida na parede branca, mas protegida das coisas inferiores e fundas, que passam por baixo de mim.
A moldura, como todas as molduras, permanecem por toda a vida, as fotografias é que mudam.
Como eu.
Mudei tanto que no fundo a única coisa que reconheço é esta coisa engradada à minha volta. Sei que se apareço fotografada depois de um desgosto, de uma derrota, de um banho de mar onde quase me afoguei, de uma corrida inacabada de BTT, a moldura me segura, o preguinho não cai, e eu, de carinha muito redonda, agora também perplexa, posso assomar ao mundo, e vê-lo ainda de cima, segura no meu preguinho.
Vinha hoje pensando na fortaleza interior que é a nossa moldura exterior.
Vinha hoje pensando o que sentirão as pessoas que de repente perdem a sua moldura e se vêem como qualquer papel tombado no chão.
A minha moldura não é a minha mãe.
A minha moldura é aquele preguinho minúsculo que ela me pregou nas costas.
Ele chama-se auto-estima, e é bem capaz de ser a melhor coisa que tenho. 

Há molduras que se partem.
Mas o ferro é inquebrável.

3 comentários:

  1. Nunca tinha visto a coisa por esse prisma, mas és capaz de ter a tua razão.

    ResponderEliminar
  2. Querida Uva Passa,
    Como o "preguinho" está nas costas, talvez não o tenha visto bem. É ouro.
    Bom dia,
    Outro Ente.

    ResponderEliminar
  3. Que esse pequeno mas grande pergaminho seja inquebrável para sempre. É de facto um dos maiores valores que possuímos.

    ResponderEliminar