21 de junho de 2017

POIS EU TENHO ALGO A DIZER

Há cerca de dois ou três anos, a convite de amigos de amigos, fui pela primeira vez à Sertã. A terra chamava-se - antes da nova ordenação de freguesias - Cernache do Bonjardim, local onde nasceu D. Nuno Álvares Pereira, o mesmo que com a técnica do quadrado conseguiu que os espanhóis levantassem finalmente o cerco a Lisboa, e abandonassem Portugal.
Cernache de Bonjardim ofereceu-me 3 dias de grande alegria, por um lado a alegria humana, das relações com as pessoas que me acompanharam e me receberam, e por outro, o lado da natureza, que diga-se de passagem, ali fez um belíssimo trabalho.
Não resta lá nada.
Restam os amigos que apanham os cacos do chão, curvados.
Foram-se as árvores e foram-se os ninhos, foram-se os pássaros e foram-se as abelhas, foram-se as flores e as amendoeiras, os medronheiros e as abóboras.  
Não sabemos afinal em que estradas misteriosas morreram as aranhas, desapareceram os cães, sumiram-se as ovelhas.
Cernache de Bonjardim - extinta na nova ordenação das freguesias - extinguiu-se outra vez.
O que digo é que mesmo depois de tudo apagado, ainda ardem corações, fecham-se as gargantas. As vidas humanas ali perdidas, extintas da vida, da terra e do mundo, são lamentos.
Lamento muito.

A vida há-de voltar a Cernache, uma vida diferente, é certo, mas a natureza vai recompor-se.
Nós, os nossos amigos, os amigos dos nossos amigos, a comunidade inteira que perdeu tudo nesta batalha, já preparam as armas para uma nova luta.
É preciso ir à guerra, é preciso plantar.
Plantar, plantar, plantar.
Pintar de verde.
Várias foram já as entidades que decidiram doar árvores-bombeiras de todas as espécies.
E a cada dia chegam mais doações, mais árvores, mais flores, mais frutos.
E as abelhas virão.
Cada pessoa, cada um de nós, se há-de mobilizar para plantar cada um a sua árvore, cada um o seu pomar, para que a vida daqueles que partiram não fique ali, suspensa, em cima daquela terra negra.
Lamento muito.
Lamento mesmo muito.

Pinto por isso o meu coração de verde, ao lado dos amigos de Cernache, onde um dia também nasceu aquele que nos salvou a todos.

3 comentários:

  1. Que assim seja Uva. Havemos de plantar, ha-de chover e o verde ha-de renascer...

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    1. Mas depois coloca-se a questão:
      Os terrenos são de quem? Particulares.
      Os particulares querem plantar o quê depois de retirada a madeira que ardeu e vendida às celuloses?
      Querem plantar eucaliptos.
      Mas não era para fazer renascer o verde, e proteger as florestas com plantio que esteja preparado para resistir ao fogo?
      Era.
      Mas as leis obrigam os proprietários a plantar certo tipo de árvores.
      Não. O plantio de eucalipto foi liberalizado por uma certa direita.
      Ahh.
      Ok.

      (O nosso projecto é em Cernache, na enormíssima área que ardeu, mas os terrenos são particulares que não vivem do papel e querem fazer a diferença. Isto é como os agarrados, só os tiras da droga se eles quiserem. Obrigados não vão lá.)

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  2. É necessário ter muita força para não desistir depois desta tragédia.
    Força, e um abraço, querida Uva.

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